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Era óbvio que não fomos feitos um para o outro

Foi o primeiro carro que comprei. Vivia na Margem Sul e trabalhava numa revista em Lisboa, com um patrão prestável que, depois de eu ter tirado a carta e ter dado um fim inglório ao valente e audaz Morris Marina idoso que o meu pai me oferecera, quis dar-me uma mãozinha.

Foi comigo a um comerciante de automóveis seu conhecido, negociámos o preço e trouxe um Renault Super Cinco cinzento metalizado em segunda mão. As conversas de vendedor são sempre mais ou menos parecidas, pelo que não as tomei como um indicador de estar a fazer um bom ou mau negócio.

O meu tio tinha vivido em França e trabalhado na Renault, e dizia que este era um carro com um motor “muito nervoso”: Andava bem e acelerava bastante, é um facto.

A verdade é que, desde os primeiros tempos, começou a precisar de peças e mais peças, reparações e novas reparações. Em muito pouco tempo, tinha gasto nos arranjos bem mais do que paguei por ele.

De vez em quando começava a não querer pegar, e isso podia sempre ser por inúmeros motivos. Até se acertar com a razão, havia que continuar a investir.

Era uma complicação ter que empurrá-lo, de manhã, antes de tomar o pequeno-almoço – especialmente porque nem sempre dava para deixá-lo numa descida, ou mesmo num plano recto.

Lembro-me de vir da Costa da Caparica, na faixa da esquerda (não dava multa), com o motor em greve e uma fila de automobilistas furiosos a apitar atrás de mim. Ou de empurrá-lo, ele ganhar balanço e ver uma amiga minha a mergulhar pela janela, com um vestido bem curto e florido, para puxar o travão de mão antes que ele se espetasse contra algo ou alguém.

Quando ia de férias para a Zambujeira, tinha que se desmontar o banco detrás e tirar as malas do porta-bagagens por aí: Ele só tinha uma chave, e o porta-bagagens só abria com ela… Mas, se a retirássemos da ignição, ia abaixo e já não pegava. Primeiro tiravam-se as tralhas, e depois ia estacioná-lo. Numa descida.

Acabou por não ter uma vida muito longa. Nos seus últimos dias de existência, antes de o despachar por tuta e meia, já só conseguia andar em segunda. Embora ainda metesse respeito.

Acelerava, acelerava, acelerava, deitava fumo e fazia barulho como um foguete. Nunca percebi se encontrou o dono errado (eu) ou se foi a minha pessoa que teve pouca sorte em calhar com ele. De uma forma ou de outra, a conclusão óbvia é que não fomos feitos um para o outro!

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