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Eu não quero saber do Verão

A cama de Inverno encontra-se atafulhada com um edredão grande e grosso, um pequeno cobertor, duas cobertas finas e uma modesta mas poderosa manta polar, porque o seu utilizador não tem paciência para desenrolar e manusear o apropriado e gigantesco agasalho nocturno que tem no armário do corredor.

Ao início da noite, o Jeremias, um ser ronronante que adora o contacto directo com a pele humana e o calor, chega-se para debaixo disto tudo, enrola-se em mim, mete as patinhas por cima das minhas e ali fica, feliz e satisfeito.

Depois de esperar que todos os felinos adormeçam e se distraiam, a Matildinha vem enfiar-se do outro lado, agarrando-se frenética e amorosamente a mim, aquele em quem projecta 24 horas por dia protecção e confiança absoluta, sentimentos que se tornaram mais evidentes depois de duas operações para retirar nódulos, épocas da vida dela em que procurou de forma óbvia e crescente conforto e abrigo no meu colo.

A Amélinha, a minha “Gááta!!”, bebé de quatro anos que vive em conexão directa com os meus braços, as minhas pernas e os meus ombros, gosta especialmente de se refastelar na manta polar, quente e fofa, que está por cima de nós.

O Chiquinho é aquele ser sábio que me ensinou a ser responsável por alguém, que me explicou que o lugar dele era na minha vida, a confortar-me e acarinhar-me, a mim e aos meus mais próximos, e não na rua, com um destino incerto e perigoso, certamente não muito longo.

Sempre se considerará um ser de estatuto superior nesta casa de maioria felina. Os outros gatos são, para ele, súbditos, gente de estirpe social muito mais baixa. Excepto a “Gááta!!”, que adoptou, assim que ela chegou cá com dois meses, como filha, discípula e protegida, a quem deixa fazer todas as maldades e mais alguma e ainda fica extremamente feliz.

Nos últimos anos, o Chiquinho só veio uma vez para debaixo dos cobertores comigo… Mas sem que nenhum dos outros três lá estivesse.

Cerca de sete horas depois de todas estas acomodações nocturnas, é altura de refazer a cama, o que se torna um enorme desafio enquanto os felinos não saem todos do quarto.

Passa-se à lavagem dos dentes e ao corte da barba. Depois de cada uma destas operações, o Chiquinho mia obsessivamente para mim. Quer os miminhos que lhe são devidos cada vez que vou à casa de banho e uso a bacia, mesmo que seja 500 vezes por dia.

Algum tempo depois é hora do banho. Um grande momento de diversão felina. O Jeremias, mesmo quando não quer, é forçado a acompanhar-me nesta altura, para não ficar na cozinha, encostado à caldeira de aquecimento, e voltar a chamuscar os pêlos.

Trago ainda o Chiquinho: Não me perdoaria se tomasse banho sem ele estar presente, a observar através da cortina.

A Matilde fica no seu castelo e domínio, a cozinha, e convenço a “Gááta!!” a fazer-lhe companhia, para não estar sozinha. No final do duche o Jeremias quer ir beber a água do banho. Mas basta abanar a cortina para ele fugir.

Os dois miam intensamente para mim reivindicando festinhas, o Chiquinho a lamber-me as mãos e os braços ainda quentes.

A manhã e a tarde são passadas na sala, às voltas com o computador. A Matilde, depois de conseguir fugir dos outros e desviar-se dos seus ataques, fica por cima do sofá, enroladinha, a dormir.

O Jeremias, o gato que tem sempre frio, permanece no seu lugar, em cima da boxe da televisão. A “Gááta!!” instala-se em cima das minhas pernas, num novelo carinhoso e anestesiado, enquanto vou teclando.

O Chiquinho ocupa o seu posto favorito, a cadeira, debaixo da mesa. Escondido, ouve e observa o Mundo. De vez em quando vem dar umas patadinhas e uns miados dirigidos a mim ou à “Gááta!!”, para nos quebrar a monotonia.

Os dois também se deleitam à janela, estudando a vida que decorre debaixo dos seus olhos. Às vezes dou um toque na “Gááta!!” nessas alturas, ou chamo-a, por esse que é o seu verdadeiro nome. Reage instantaneamente, agradada, espantada, carinhosa, profundamente amorosa. “Miaaaaaau! Dono! Estavas aí! Olá! Adoro-te!”.

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