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É preciso andar depressa

Cabem dez pessoas numa carrinha de nove e toda a gente está com vontade de começar rapidamente. Assim acontece, exactamente dentro do horário estabelecido.

Para acolher os novos elementos e as alterações no grupo, há alguém que traz vários tipos de bigodes postiços à escolha, para tornar tudo mais leve e descontraído.

Perto das instalações policiais, duas pernas inquietas saem do veículo a dançar ao ritmo da música dos anos 1980 que se ouve no rádio sofisticado acabadinho de estrear. Um automobilista passa, ri e aplaude enquanto os sacos de comida são distribuídos pelas Pessoas Sem Abrigo que por ali pernoitam.

Junto dos hotéis luxuosos da capital, há um taxista falador: “Aquele senhor que dorme ali, mesmo quando está completamente enregelado, recusa ou deita fora os cobertores que lhe dão. Já lhe dissemos que pode guardá-los ali atrás, ninguém lhos tira, mas ele não quis saber“.

Daqui para a frente, os voluntários continuam a conversar com todos os moradores de rua que se encontram dispostos a dialogar… Mas para aqueles que estão a dormir profundamente as poucas horas que os separam da madrugada e dos ruídos da cidade, os sacos de comida são entregues em passo de corrida. Acordá-los equivaleria a incomodá-los e quebrar o seu descanso.

Um dos mais interessantes e enriquecedores destes seres humanos que vivem sob as estrelas responde, quando lhe perguntamos como está: “Estou a comer”. Não há mais a dizer, H sabe que estaremos sempre aqui para ouvi-lo e conhecer as suas histórias, consoante ele tenha vontade de contá-las – não é o caso hoje.

Junto à eléctrica nacional, os seguranças revelam que há quem passe a noite nas instalações do multibanco. A equipa procura-os, mas não estão lá.

Três horas e meia, duas dezenas de conversas. O homem alentejano e tranquilo que vivia nas traseiras da empresa nacional de telecomunicações passou a ter um quarto, providenciado pela segurança social.

Nem sabe através de que entidade específica, mas não interessa. O quarto é pago por essa instituição e o rendimento mínimo que aufere dá, muito esticado, para a comida e os medicamentos.

Todos os dias de manhã toma um comprimido para a tensão, e hoje diz estar cheio de sono. Na troca de palavras percebe-se. Acordou às três e não conseguiu dormir mais. “Vá descansar, meu amigo. Amanhã vai estar com mais energia”.

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