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Uma teoria sobre a estupidez

A senhora dos seus cinquenta e cinco anos, olhos da cor dos mares nórdicos, cabelos que já foram loiros, observa insistentemente. Acaba por explicar, num inglês afável, que olhava a capa do livro, e o nome escrito nela. Gustave Flaubert.

Pergunta se é de Madame Bovary que se trata. Não, é Bouvard e Pécuchet, embora antes tivesse lido Madame Bovary, um livro absolutamente maravilhoso. Quer saber se estou a ler Bouvard e Pécuchet em inglês ou francês. Respondo que é em português e conto-lhe a história em inglês.

É a de dois amigos que vivem no final do século XIX na capital francesa. Conhecem-se, tornam-se imediatamente próximos, e, pouco depois, um deles recebe uma herança e fica rico. Saem de Paris e mudam-se para uma quinta no campo. Aqui começam os disparates.

Retratados por Flaubert como dois burgueses ignorantes, que, para o autor, espelham a estupidez da época, dedicam-se à agricultura, à botânica e ao estudo, mas em tudo o que fazem sobressai sempre a sua arrogância e idiotice profunda.

Flaubert leu largas centenas de livros que lhe serviram de referência para este romance, que o autor apresenta quase como se fosse um ensaio sobre a ignorância. As duas personagens passam o tempo a folhear volumes sobre a agricultura, botânica, medicina, história, geologia, arqueologia, filosofia, lógica, espiritismo, magnetismo e outras incontáveis ciências, ou alegados saberes daquela época.

Depois de se considerarem agricultores (irremediavelmente fracassados), acreditam tornar-se, apenas pela superficial auto-aprendizagem, geólogos, arqueólogos, médicos, curandeiros, deputados, filósofos, especialistas em magnetismo curativo, espíritas e daí por diante.

Explico tudo isto, revelo que o livro é divertido por pretender reflectir a burrice burguesa e o novo riquismo do século XIX (uma época não tão diferente da nossa quanto isso), sorrio e continuo a ler por mais uma hora.

Nessa altura, fecho o livro e vou-me embora, com um novo sorriso. A germânica companheira de ocasião mostra-se desiludida com a minha partida.

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