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O loiro e o resto dele

Cruza-se comigo, com o ar de quem vive num mundo que não é o meu. Loiro, cabelo curto, idade e estilo indefinidos.

O resto deste ente misterioso deve pesar uns três quilos, é completamente cinzento e nunca se descola dele. Esta entidade composta de dois seres vive do outro lado da rua. As duas metades, humana e canina, são inseparáveis.

Num desses dias em que nos encontrávamos no passeio, eu com o jornal debaixo do braço e ele com as quatro patas a deslocar-se orgulhosamente à sua frente, decidi estabelecer um tímido contacto com a parte saltitante deste duo.

O normal seria uma palavra amiga, enquanto a mão é dada a cheirar, mas não houve tempo para tanto. Bastou-me olhar para aquele minorca cinzento que parece um bonequinho animado, e nem cheguei a abrir a boca.

Só de ver-me contemplá-lo, este temível protector, que mede uns dez a quinze centímetros, desatou imediatamente a ladrar para mim. A partir daí, os nossos encontros mantiveram-se diários mas passaram a ser bastante mais distantes.

Não voltei a abusar da confiança que não me foi dada por este pequeno animal de bom coração e feitio pouco recomendável.

Olho para os dois ao longe, homem e cão. Já vi este homo sapiens sapiens ralhar aqui e ali com o seu canídeo, tal como faço com os meus felídeos quando calha e quando tem que ser. Mas sempre me pareceu que ele o fazia por alguma razão necessária.

Penso neles, o loiro de um metro e setenta, e o grisalho de quinze centímetros. Quer-me parecer que, com ou sem o mau feitio, cada um deles não tinha problemas nenhuns em dar a vida para que o outro pudesse ser feliz.

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Da mesma maneira me parece que dificilmente podiam viver um sem o outro. Quando sinto à volta deles aquele amor que não se explica, e penso na existência de carinho que se vive aqui em casa, comigo, a Amélinha (a “Gááta!”, o seu verdadeiro nome), o Chiquinho, o Jeremias e a Matilde, sinto que tudo no mundo faz sentido.

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