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Quando eu andei nas obras

Não sabia se ia entrar para a universidade, tinha muito tempo livre e pouco dinheiro. Já não sei bem como aconteceu aquilo, mas falei com alguém que falou com alguém, pus-me num sítio à espera de uma carrinha e fui à Siderurgia Nacional (SN) pedir trabalho – nas obras – para uns meses.

Havia trabalho, e não era mal pago. Um servente de pedreiro, ali, há 25 anos, ganhava 70 contos: 350 euros. Dava para juntar uns cobres para os primeiros tempos do curso, porque também ainda não sabia se ia ter bolsa.

A SN, naquela época, era um antro de droga e loucura. As conversas ao almoço variavam entre charros, cocaína, heroína e sexo oral. Não suportava o tipo que, 25 horas por dia, falava das raparigas com quem tinha tido sexo, onde e como, porque nunca gostei de tais conversas chauvinistas.

De vez em quando olhava-se para alguém e percebia-se que já estava pedrado outra vez. Muita daquela gente já não existe, de certeza. O Estrela, por exemplo. Era um homem simpático e afável, e um farrapo humano sempre à espera de meter mais alguma coisa para dentro.

Eu, que percebo tanto de enrolar cigarros ou afins como de motores de aviões, às vezes lá o ajudava a fazer a ganza que ele ia fumar, porque o Estrela já nem isso conseguia fazer – mas trabalhava nas obras.

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E as obras, na SN, tínham dias… Uma coisa acontecia sempre: Se alguém tinha o relógio ligeiramente adiantado e estava para se ir embora, o encarregado, um quase corcunda de metro e meio que tinha a força de um burro e um carregado sotaque que eu não conseguia localizar, gritava de imediato: “Faltam dois mêniúutos!!!”.

Mas o trabalho, esse, variava. Passei a primeira semana a fazer amizade com outro moço igualmente simpático e comunicativo – que estava sempre ganzado – e a varrer a mesma sala. Mas, na semana seguinte, vieram as valas para abrir, a poder de pá e picareta, os baldes de massa e os sacos de cinquenta quilos de cimento para carregar.

A coisa era de tal ordem que até acontecia aquele gesto natural de lembrar algo inesperado e dar uma estalada na testa – mas corria mal, porque a mão já estava ferida e cheia de bolhas.

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Quando chegava à Quinta da Lomba, fazia a rua principal a pé, exausto e imundo dos pés à cabeça.

Nesses momentos de curta caminhada, empoeirado e mal cheiroso, percebia quem eram as pessoas que me interessavam na vida, e as outras. As que me interessavam eram as que me cumprimentavam, de aperto na mão ou beijo na cara, com a alegria e a simpatia de sempre. As outras eram as que olhavam para mim espantadas e mudavam subitamente de passeio.

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