As três vozes que se ouviam na noite

Conta a história há décadas mas arrepia-se sempre. Era um puto adolescente, vivendo a pouco quilómetros do Malavado, no meio dos barrancos e pinheiros do Alentejo, há quase 70 anos.

O meu pai tinha ido a um baile, dançar com as moças, conviver e divertir-se, depois de andar a trabalhar no campo e a cuidar dos porcos e do que mais houvesse para fazer. A diversão acabou já era noite escura.

Sem casas, sem luzes, sem pontos de referência, só mesmo aquela gente rija e experimentada desde nova poderia orientar-se por ali. Não era paisagem nocturna agradável e acolhedora, que se recomendasse a quem quer que seja.

Não queria que o pai se chateasse com ele, e já era hora de voltar para casa, apesar das condições adversas. Pôs-se a caminho.

Às tantas, começa a ouvir três vozes, ao longe. Uma mais acima, uma mais abaixo, uma mais a meio. As vozes iam conversando e rindo, alto, com grande estardalhaço. “Ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah, ah. Oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh. Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi”. Continuou.

As três vozes foram-se aproximando, mais e mais e mais. Já estavam mesmo em cima dele, ao lado, a centímetros, a milímetros. Aquilo começou a causar cada vez mais confusão, comichão e espanto ao miúdo. Foi acelerando o passo progressivamente, sem fazer ideia do que se passava.

Quando estava a metros de casa, já devia estar prestes a bater os recordes de velocidade, resistência e triplo salto daquela época, há quase sete décadas. Entrou dentro de casa, agradecido por lá ter chegado.

Durante muito, muito tempo, evitou ficar nos bailes até tarde e depois ter que fazer aquelas travessias arrojadas e impressionantes no meio do escuro e dos barrancos, até chegar a casa.

Continua a relatar a história, ainda hoje. Sempre com a mesma convicção. Sempre com a mesma emoção.

O Tarzan que veio de Goa

O homem jovem, bem disposto e com aspecto agradável tocou à campainha, esperando que o atendessem na rua. Espantou-o muito que, naquela tarde quente, algures nos finais dos anos 1970, o mandassem entrar, o acolhessem com amizade e carinho, lhe dessem cama e mesa. Então, era meu tio, cunhado da minha mãe e do meu pai, porque não havia de ter essa recepção?!

Bem, o meu tio era negro, bem escurinho, não era coisa em que não se reparasse. Por isso, não estava nada habituado a ser acolhido da forma normal, decente e devida a qualquer familar, e aos seres humanos em geral.

Mas foi o que aconteceu, evidentemente. Já que o português dele, na altura, não era o mais fluente, trataram-lhe de todas as papeladas e burocracias necessárias.

O meu tio pegava nos pirralhos – eu e a minha irmã – e íamos passear à beira rio. Havia uma árvore, com uma corda, ele agarrava em nós e lançava-se, pendurado nela, gritando que era o Tarzan, para nos fazer rir a bandeiras despregadas. E repetia aquilo todas as vezes que quiséssemos.

Ao almoço, fui ouvindo ao longo dos anos as conversas impagáveis entre o meu pai e o meu tio. O meu tio falava francês e inglês na perfeição, mas o português não era a praia dele. O meu pai dizia as palavras muito alto e com as sílabas muito bem divididas, para que ele percebesse. Ele ficava a olhar para o meu pai.

Conversas em quatro línguas

Com os anos, o meu inglês foi melhorando, com a ajuda das cartas nessa língua, trocadas ao longo da vida com o meu tio. Assim, as conversas familiares ao almoço ganharam uma nova componente. Enquanto o meu pai e o meu tio se entendiam mais ou menos, através das linguagens universais que todos os homens usam para se compreenderem, havia uma guerra surda e carinhosa.

Eu, queria era falar em inglês com o meu tio, o que, na verdade, era bastante egoísta. E todo o resto da família, evidentemente, exigia que usássemos o português. Eu e o meu tio éramos só dois, mas ganhávamos, habitualmente.

Quando a sua filha linda e doce foi crescendo, eu e a miúda criámos, também, outras formas de comunicação. Ela falava-me em francês, eu respondia-lhe em português, e dialogávamos sempre na mais harmoniosa das perfeições.

Quando ela se casou com um simpático e divertido polícia espanhol, comecei a tentar dizer as mesmas frases em português, portunhol e luso-francês. O que eu sei é que as minhas conversas com a miúda, e, depois, com o marido, sempre envolveram muitas e muitas gargalhadas.

O meu tio, que é goês, viveu em França e trabalhou na Arábia, mora agora nas Filipinas, e já me ofereceu casa lá. O filho vive em França, junto da mãe, a minha querida tia, que parece ter sempre 15 anos a menos do que a idade real. A filha, em Espanha, com o marido e as pequenotas. Já não os vejo há algum tempo. Tenho saudades das conversas com pseudo-tradução simultânea em quatro línguas.

A vida é uma Bola de Berlim com Chocolate

Abro a caixa do correio às 11H30 e dou de caras com um novo ofício da Segurança Social, intitulado “Pedido de Elementos”. O quê? Não estava já tudo resolvido? Já estou tramado outra vez?

Sigo para a Loja do Cidadão. A esta altura do dia, já acabaram as senhas de atendimento há muitas horas. No entanto, encontro a funcionária simpática e competente que tinha resolvido em poucas semanas o processo do subsídio de desemprego, o qual inicialmente ameaçava durar meses a estar concluído.

É ela que me explica a carta e me informa de que a Segurança Social, agora, quer um documento das Finanças com todo o histórico das minhas actividades de trabalho independente, o início e encerramento de cada uma, para saber se ficou tudo regularizado. Manda-me para o piso de baixo, para a secção das Finanças.

Passo lá o dia todo, até obter a dita certidão, pela qual pago cinco euros. Como a minha preciosa aliada é do turno da manhã, volto no dia seguinte, às seis, para lhe entregar directamente o papel. Há 20 e tal pessoas à minha frente.

Passo-lhe a valiosa folha. Diz-me, como no dia anterior, que isto não interfere com o andamento, por ela desbloqueado na semana anterior, do meu subsídio de desemprego. É uma espécie de investigação paralela, para que os serviços da Segurança Social saibam se está tudo certinho com o meu historial.

Volto para casa e desloco-me à Junta de Feguesia, para fazer a minha apresentação. Tal como no dia em que me foi deferido o pedido de subsídio, continuo inexistente no sistema. Volto à Loja do Cidadão. A funcionária gentil e paciente manda-me para a secção do Instituto do Emprego, onde passo mais umas quantas horas.

Fico a saber que agora já estou no sistema, depois de mais este procedimento burocrático, e dão-me uma carta, com a data da próxima apresentação.

A vida é uma Bola de Berlim com Chocolate, como a que devorei com ar sonhador nessa manhã. Temos que levar com a parte massuda, espessa e pegajosa, e com os grãos duros, brancos e enjoativos de açúcar, antes de chegarmos ao que interessa. Quando finalmente atingimos o delicioso, suculento e consistente chocolate, bem escuro e brilhante, parece que estamos no céu…

Aquela senhora meiga do lenço preto

Aquela senhora meiga e doce de lenço preto na cabeça achava que eu e a minha irmã, gaiata linda e desembaraçada de olhos azuis, éramos muito mal tratados, só porque a minha mãe nem sempre nos deixava fazer o que queríamos.

Também se preocupava muito com o genro, o seu belo genro, uma jóia de moço, que ela adorava. Achava que o meu pai era vítima do feitio da minha mãe, apenas porque ela às vezes não lhe fazia as vontades. Em suma, a minha avó gostava de tal maneira da família, dos filhos, do genro, dos netos, que ficava doente se achava que algum dos nossos caprichos ainda estava por satisfazer.

Mas a verdade é que nós tínhamos uma vida imensamente feliz, graças aos nossos pais, que se esmifravam completamente ao longo do ano para que depois, no Verão, pudéssemos todos ter umas férias de sonho, na casa da avó.

Íamos para a praia e ficávamos lá até ao fim do final. Na altura, a Zambujeira tinha meia dúzia de casas a circundar o seu mítico muro, e o Malavado devia ser pouco mais, além da casa da minha avó e os pinheiros. Vínhamos da praia e tomávamos banho na rua, com a água do poço. Aquilo para mim e a minha irmã era uma maravilha do outro Mundo.

E quando chegavam os outros tios, imigrados, como os meus pais, na Alemanha e em França, a coisa ia até aos píncaros. Havia prendas, brinquedos, doces, gomas em forma de cãezinhos. Há 40 anos. Era mesmo espectacular.

Infelizmente para ela e para nós, a minha avó não foi daquelas que duraram até à idade quase adulta dos netos. Estava eu ainda bem longe dos meus 20, e fui passar uns dias lá abaixo. Adorava-a, e ela a mim. Embora não fosse muito velha, já estava bastante doente e muito acabadinha.

Mesmo naquele estado, e poucos dias antes de se retirar desta breve passagem, ainda teve forças para dar um enorme prazer ao nétinho querido. Foi fazer, sabe Deus como, as fatias de ovo (fatias douradas: pão frito envolvido em ovo e muito açúcar) que sempre fizeram saltar de felicidade os seus netos. Aquelas fatias de ovo foram uma das coisas mais deliciosas que comi em toda a minha vida. E nunca vou esquecê-las. Tenho saudades de ti, avózinha.

A miúda

A miúda levou cada um dos companheiros alcoolicamente bem dispostos a casa, uns conhecidos há anos, outros há minutos. Os amigos jovens universitários, ela adolescente, tomava conta de todos.

Fazíamos festas em todo o lado e a toda a hora, à volta da voz dela, de uma garrafa de qualquer coisa e de uma guitarra. Os vizinhos queixavam-se muito.

Íamos para a praia de manhã, de tarde, de noite. No meu caso, deu direito a uma queimadura bem grave e perigosa, de não sei quantos graus.

A míuda era uma miúda mas já percebia de medicina. Colocou-me uma pomada muito especial em toda a superfície das costas, tentando reduzir as hipóteses de cancros futuros.

Houve uma passagem de ano em que 15 minutos bastaram para eliminar a breve e fugaz existência de um litro de Passport Scotch, o que levou a atravessar portas, rolar em muros à beira do abismo e chegar directamente à passagem de ano da década seguinte, imaginariamente. A miúda estava lá para apanhar os cacos.

Houve Festas do Avante com strip-teases semi-integrais, noites dormidas ao relento mas com o estômago bem aquecido. Houve casamento, mudança de casa, alterações de vida, divórcio. A miúda assistia.

Houve debates e divergências. A miúda é a pessoa mais sincera que conheço. Fico a remoer e a enrolar-me nas verdades que me diz, sabendo que tem razão, não conseguindo admiti-lo, graças à minha casmurrice.

A miúda está lá, com o marido, o Homem dos Livros, a mascote linda e medrosa, a filhota que tem toda a energia que ela e o companheiro talvez tenham tido quando eram pequenotes. A miúda nunca se vai embora. Graças aos Céus.

Já está tudo resolvido!!

Disseram-me que era um profissional com sucesso absoluto mas que tinham que reduzir os custos, despedindo-me. Fiquei orgulhoso e preocupado, ao mesmo tempo.

Procurando trabalho por todos os meios possíveis e imagináveis, pedi o subsídio de desemprego.

Parecia garantido à partida, de acordo com o conselho tribal dos amigos advogados, especialistas variados e profissionais da área laboral.

Três semanas depois, chega a resposta por correio. “Indeferido”. Hm?! Indeferido, indeferido… Épá. Estou tramado.

Corro para o Instituto do Emprego. Traduzem-me o ofício, e percebo que tive uma actividade independente aberta em 1997, encerrada correcta e legalmente em 2014. Mas a Segurança Social não foi informada de que a actividade foi encerrada.

Para a Segurança Social, eu tinha uma actividade aberta, estava a trabalhar e não tinha direito a subsídio. Comprovo o encerramento da actividade, entrego os documentos ao Instituto do Emprego, que alerta a Segurança Social.

Espero duas semanas. E fico a saber que o processo pode demorar quatro meses a concluir-se.

Às cinco da manhã já estou na Loja do Cidadão, com várias pessoas à frente. A funcionária delicada e eficiente coloca carácter de urgência no processo, reenvia-o para os serviços da Segurança Social e diz-me para regressar duas semanas depois.

Assim faço, de novo às cinco da manhã e mais uma vez com meia dezena de pessoas à frente. Dirijo-me à mesma senhora. O processo está parado.

Telefona para cinco números diferentes da Segurança Social, à minha frente. Ninguém atende. Mostra-se empenhada e preocupada. Envia um e-mail para “L.”, alguém que poderá desbloquear a dramática situação. Manda-me regressar no final da semana. Hoje.

Chego às cinco. Ninguém à frente. Espero três horas e meia, termino de ler o meu livro e entro, às oito e meia.

O processo está desbloqueado. Falta ligar para o Instituto do Emprego, e a funcionária perfeita faz isso mesmo. Minutos depois, o desfecho. “Vai receber a prestação de XX€XX, durante YY meses”.

Quase beijo a funcionária-anjo, e “L”, que desbloqueou a situação. Seguro-lhe a mão com gratidão e saio. A minha vida está encaminhada durante YY meses.

Gáta em P.S.E.C.!

Costumava ser uma jovem pouco sociável. Quando chegava alguém, ia logo esconder-se e nunca mais a viam.

Ultimamente, já não é bem assim. No outro dia, esteve cá o meu grande amigo, assistente técnico de múltiplas emergências e especialista em resolver problemas.

Ainda chegou a esconder-se, aparentemente por pouco tempo. Mas a meio da nossa conversa, a minha Amélinha, a “Gáata!!” (o seu verdadeiro nome), já andava cá pelo chão.

O rapaz que percebe de computadores estava sentado, a verificar que estava tudo bem com o sistema operativo do meu. Nas mãos dele, brincava distraidamente uma bola de papel.

A pequena pantera negra começou a atacar, alegre e entusiasticamente, esse brinquedo involuntário. O meu amigo segurava o objecto esférico, largava-o, ela dava umas patadas no novelo de papel, ele voltava a agarrá-lo…

Estiveram nisto uns minutos, até que a Gáta pegou na bola com a boca, e, com ela bem presa nos dentes, foi a correr para a cozinha, ronronando ruidosamente. Ele levantou-se, espantado e divertido. “Hmm?! O que aconteceu?”.

Expliquei-lhe que isto é o que ela faz normalmente comigo, ou seja, quando está à vontade e sem medo. Já em duas visitas anteriores, de outras pessoas, também andou menos tempo por cima dos armários, e mais pelo chão, menos preocupada em fugir dos estranhos.

A minha felina adorada está em P.S.E.C.: Processo de Socialização em Curso!

O Homem que não Ficou ao Relento

Cinco da madrugada, certinhas, e são cinco utentes à porta da Loja do Cidadão. Um grupo de quatro rapazes asiáticos simpáticos e bem dispostos, e eu, em quinto lugar. Eles entretêm-se e divertem-se a jogar algo parecido com o Super-Mário, no tablet.

O sexto homem, de ar saudável e descontraído, chega a seguir, de manga curta e calção, soltando palavras de poucas sílabas e queixando-se do frio e do vento da manhã. Percebo, mais tarde, que veio de carro. Estacionou a umas dezenas de metros, e passa lá dentro a maior parte das três horas e meia de espera.

De vez em quando aparece, já com uma camisola confortável, e depois de ter descansado mais uma hora no quentinho do automóvel.

Chega mais um homem, e depois uma mulher. Senhora de alguma idade, origens africanas, gordinha e gentil, trouxe um cobertor e uma cadeira de praia.

Ao lado, senta-se, mas no chão, sem cadeira, uma jovem loira, bonita, aparentemente da Europa de Leste. A mulher prevenida oferece-lhe um pedaço da manta. Ela responde: “nóum précisa”. A amiga improvisada acomoda-se na cadeira. Durante algumas horas a rapariga vai lendo um livro no smart-phone, antes de cobrir com a roupa os braços, as mãos, a cabeça e a cara, e adormecer.

Uma comunidade auto-organizada

Algumas famílias e grupos ocupam, em conjunto, uma “vaga” individual na fila, no sistema de organização universal utilizado por esta comunidade temporária. Alguém vem para as primeiras horas, mais tarde é substituído pelo filho, o irmão ou o amigo, e ainda pode haver uma terceira pessoa para preencher depois o mesmo lugar. Ninguém se importa.

Outro homem traz uma cadeira, mas não a usa. Cede-a a uma senhora idosa, débil e muito pesada, pensando, provavelmente, que é um crime alguém assim ter que passar por esta espera matutina de três horas e meia na rua.

Por volta das oito, um homem chinês, possivelmente de uma loja da mesma nacionalidade, vem com umas rodelas de madeira, uns artefactos asiáticos. “Para a dor de cabeça. Conhece? É muito bom, muito bom!”. Propõe estes objectos a toda a gente. Ninguém parece aceitar. Os rapazes bem dispostos que chegaram antes de mim olham-me e riem-se, com gestos faciais muito expressivos, divertidos e surpreendidos com aquela tentativa de negócio.

“Filha, acorde, já está quase na hora!”

A senhora da cadeira de praia acorda a jovem loira, para que esta possa recompôr-se e retocar a maquilhagem: “Filha, acorde, já está quase na hora!”.

Já em cima das oito e meia, há centenas de pessoas acumuladas em torno do edifício. Chega um jovem de barba, chapéu, óculos, calções e T-Shirt. Vai colocar-se perto da pessoa número 10, ou 20, pretendendo saltar à frente das centenas de utentes. Quase é linchado, verbal e colectivamente.

Mostra-se extremamente surpreendido, diz que é a primeira vez. Vai lá bem para longe, para o fim da fila interminável, mas os protestos ainda continuam durante alguns minutos. Os meus companheiros do lado começam outra vez a rir-se, continuando a dizer tudo com os olhos e o rosto, sem precisar de palavras.

Oito e meia. Abrem-se as portas. O homem que, em vez de passar as três horas ao relento, esteve quase sempre aquecido e confortável dentro do carro é o sexto na ordem geral, mas o primeiro no grupo dos que vêm renovar o Cartão do Cidadão. Entra, com ar orgulhoso, importante e muito apressado: “Bom dia! É para renovar o Cartão do Cidadão!”.

“Ver o seu pai, que tem 83 anos e está a lutar pela vida? Nem pense!”

Conheço três enfermeiras maravilhosas, e acredito que o sistema de saúde está cheio de gente de magnífico calibre. Mas o Estado está há anos em guerra com o seu próprio serviço de saúde, e com os respectivos profissionais. Eles defendem-se como podem. Protestando, reivindicando, fazendo greves.

Em todas as greves há vítimas. Quando as greves são feitas pelos profissionais da saúde, em protesto contra a forma como são atacados pelo Estado, as vítimas podem ser de vários tipos…

Esta história, ouvi-a eu da boca da A., mãe de uma grande amiga minha. Conta ela:

“O meu pai está desde segunda-feira internado na Sala de Observação (SO) de um hospital [um Hospital do Sector Empresarial do Estado], com uma pneumonia  e uma infecção generalizada, que desenvolveu na própria unidade hospitalar, uma semana antes, quando esteve lá com uma semi-paragem renal”.

A informação clínica “é dada de manhã, das 10h30m às 11h30m. As visitas são das 17h às 18h. Só é permitido um familiar próximo, e duram um máximo de 30 minutos – o que é compreensível, tendo em conta a situação clínica dele e dos outros doentes que ali se encontram”.

Durante estes dois dias de greve dos enfermeiros, “não houve visitas no SO, a informação clínica foi dada na manhã do primeiro dia de greve e ontem foi-me fornecida à tarde – por especial favor e porque me desloquei ao hospital. Entretanto, insisti em vê-lo”.

A mãe da minha amiga relata que, quando pediu para ir só dar um beijinho ao pai e sair logo, a resposta foi:

“Mas é que nem pensar!”

A. pergunta, sem esconder a tristeza, “que culpa” tem um homem de 83 anos, “acamado e a lutar pela vida?”. E desabafa: “Porque foi ele o castigado, não podendo sequer ter um beijinho de encorajamento?”.