A nova geração

Há oito anos, a Ana, a Maria, o Jeremias e a Matilde ensinaram-me a perceber os gatos, a gostar deles e admirá-los.

Abriram o caminho para que meses depois descerrasse as portas do coração ao meu doce e meigo Chiquinho, que me ofereceu a relação mais bela e pura que tive.

E que seria o protector e patrono da minha carinhosa, apaixonada e doida Amélinha, a “Gááta!!”.

A última felina da Ana, a charmosa e adorável Beca, já partiu há algum tempo. Estava na altura de acolher uma nova geração de miaus e ronrons.

O que sucedeu a meio do Verão. Desde então, passei duas semanas a antecipar o momento em que iria conhecê-los.

Finalmente, isso aconteceu. No fim-de-semana fui ver os novos sobrinhos, a Pipa e o Tobias. São ambos clarinhos e irresistíveis.

Ela tem quatro meses. É minúscula, pacata e reservada.

Ele tem dois, é significativamente encorpado e engordou 400 gramas numa semana.

É um mix do descaramento do meu incomparável lince gato-cão, o Jeremias, com a doçura e o carinho da “Gááta!!” e da Matildinha.

Passou o jantar ao meu colo, a brincar comigo, encostado à minha mão, a ronronar como um motorzinho de navio.

No final não queria que me viesse embora e desejava partir comigo.

Já a sua mini-companheira, quando a apanhei a descansar no seu lugar seguro, uma prateleira do antigo e pesado armário de madeira clássica e envernizada da sala, consegui fazer-lhe, finalmente, festinhas à vontade.

Esperei 15 dias mas cada minuto com a Ana e os seus bebés valeu todos os segundos e respectivas fracções.

Já estou ansioso pelo próximo encontro!

O meu gato anda no ginásio

O meu tigre atlético, corpulento e lindo está gordinho demais. Tem que perder peso impreterivelmente para não começar a ter problemas de saúde perigosos.

Já reduzi a ração, bastante, e só lhe dei pedacinhos de patê durante a onda de calor. Quando está durante um bom bocadinho ajoelhado a comer (o que adora fazer), levanta-se a coxear.

As articulações têm dificuldade em sustentar seis quilos e duzentos gramas.

O Jeremias passou a ir ao ginásio, sem sair de casa, pelo menos uma vez por dia. Ou mesmo duas.

Pego na fita métrica metálica, um objecto que o excita até à loucura. Faço-o persegui-la, saltar em sua busca, correr atrás dela (e da cauda), atirar-se ao encontro da ponta que dança e oscila sem que consiga apanhá-la.

O exercício dura uns dez minutos e é uma forma de contrariar a sua tendência para um sedentarismo crescente.

Nos tempos em que o doce e meigo Chiquinho, gato de rua sem disciplina, andava na Terra (há dois meses) era muito diferente.

Entre estes dois viris defensores dos seus pergaminhos sexuais havia todos os dias kung fu, karaté alentejano, jiu jitsu e luta greco-lisboeta.

A verdade é que a Matildinha e a Amélia (aliás, “Gááta!!”) não oferecem grande resistência nem são adversárias especialmente aliciantes.

A existência deste belíssimo lince da metrópole tornou-se pacata e rotineira, sem agitação. A gordura foi-se acumulando. Está na altura de inverter o processo!

Trabalhar para arrefecer

Era um tipo especial

Da primeira vez que a minha mãe o viu, há mais de meio século, já tinha bebido um copito e o seu sorriso bem disposto era irresistível.

A mim, apanhou-me uma vez, depois de uma noite agitada, apenas com uns boxers muito largos, a saltar o muro da casa dos meus amigos, só para não ter que ir abrir o portão para sair.

Com os olhos brilhantes, e uma metade dos abonos de família de cada um dos lados do muro. Aparentemente, nunca esqueceu essa imagem caricata.

Falávamos sobre política, e acerca dos abusos sobre os trabalhadores, sempre com os direitos em risco. Era admirador de Cunhal, a quem chamava o Cavalinho Branco.

Há umas quantas décadas conheci a Festa do Avante! ao lado dele, da minha mãe e do meu pai, de quem foi o melhor amigo durante quase uma vida inteira.

Passei muitas tardes e noites em sua casa, com a mulher dele e os filhos, pessoas de fibra e generosidade como não se encontra em lugar nenhum.

Tardes de praia, almoçaradas, jantaradas, diálogos inspiradores e edificantes. Era um tipo muito especial.

Onde chegava, conquistava toda a gente rapidamente com a sua personalidade, o seu humor e a sua afabilidade.

Na nossa infância e juventude, os adultos divertiam-se em grupo e os miúdos faziam companhia uns aos outros: Aquela viagem periódica de menos de meia hora era sempre aguardada com grande expectativa.

Éramos tratados como príncipes naquela casa.

Quando a sua vida chegou ao fim, muito cedo e de uma forma que não fazia sentido, foi muito difícil para toda a gente.

Ficou a fazer muita falta durante muito tempo, e fará sempre. Mas deixou o melhor da sua personalidade com todos nós.

As suas tiradas divertidas, a sua expressão saudavelmente irónica, o seu gosto pela festa, pela animação e por fazer com que todos estivessem bem nunca se separarão de nós.

Durante muitos anos, continuei a ver em sua casa aquela foto tão bem tirada, e que ilustrava na perfeição o seu espírito filosófico e amável.

Há muito tempo que não observo essa imagem. Mas será sempre como se estivesse a contemplá-la, querido amigo.