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A desilusão de Hernandez

A carta chegou à abadia e ouviu-se um suave frufru de túnicas agitando-se levemente à esquerda e à direita. No pomar, os amieiros ondulavam com a ventania do final da tarde.

As bagas frescas nos arbustos sobre a terra fria tombaram, ficando à mercê dos ratos e dos cães que por ali passassem. As horas passavam lentamente.

O teor da epístola não viria a ser revelado, um revés embaraçoso para os 12 celibatários encerrados entre quatro paredes. Não se tratava do anúncio de uma profecia cumprida nem da revelação da chegada do Messias.

Lá longe, um século depois, ouviam-se os apitos das sirenes dos navios. As embarcações andavam perdidas no meio do nevoeiro. Na cidade, os transeuntes encolhiam-se de frio e amaldiçoavam o tempo húmido.

Os inúmeros visitantes não se mostravam satisfeitos. Tinham vindo atraídos pelo Sol do estio e acabavam trapaceados.

Um homem sábio continuava sentado à porta de um templo do conhecimento. Tinham ouvido falar dele e da sua luta contra os males do Mundo.

Vinham cada vez mais estranhos, de outras paragens, conhecê-lo. Dez num dia, 15, vinte no outro. Todos queriam ouvir as suas palavras e sentir a sua inspiração.

Uma chegou do teatro e quis falar com ele. Outros disseram-lhe que não devia estar ali sozinho.

Uma moça em idade casadoira levou-o para o primeiro andar de um restaurante. Quis escutar os segredos da vida dele e contar-lhe as suas aflições.

Ele relata-lhe que antigamente, numa outra vida, passava diariamente por um recinto teatral onde a actuação era diferente todas as noites.

Havia sempre belas bailarinas de coxas desnudadas que faziam sonhar os homens que por ali passavam. E mulheres de virtude transitória que pediam um copo de vinho e ofereciam momentos de prazer.

Não lhe custaria pegar num maço de notas e assistir àquele epectáculo de tentação, mas nunca o fizera.

Um dia encontrou o González e o Hernandez. Iam penetrar eles próprios nessa catedral de perdição, e o primeiro convidou-o a ir com eles. O sábio disse que não se importava, desde que cada um pagasse a sua própria despesa.

Depois de muita negociação, e de aceitarem as condições dele, acabaram por entrar. A luxúria da noite seria à medida da imaginação de cada um.

Mas Hernandez teve uma desilusão. Estava convencido que era González que ia pagar a conta dele.

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