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600 euros não alimentam os meus filhos

Mais uma noite destapado”, diz, soprando sobre as luvas enquanto sente nas faces o soco frio de Dezembro. Se tivesse dinheiro escondido na sola arranjava maneira de fugir à geada da madrugada, agora que o estio se foi de vez.

O bolor dos sapatos é o companheiro que lhe resta na solidão da noite. Assiste ao revoar do pó da rua e tenta não pensar em nada.

Do outro lado da estrada, dentro do hotel brilhante e moderno, a sessão fotográfica da celebridade desenrola-se. Mais para a esquerda. Agora para a direita. Não, para o centro. Assim. Assim. Um bocadinho para cima. Isso. Isso. Perfeito.

Horas depois, uma mulher de 50 anos, ainda bela, bem vestida e maquilhada, entra no edifício do lado. Senta-se com alguma ansiedade, enquanto aguarda.

Ao colo uma revista e um livro, que terá tempo para folhear. 15 minutos depois, dois homens jovens e vestidos sem formalidade dão-lhe as boas vindas.

Perguntam-lhe porque está ali e quais são os seus objectivos. Explicam-lhe o essencial sobre o negócio, os clientes, os fornecedores, os operadores.

Fazem-lhe meia dúzia de perguntas em inglês e apresentam-lhe vários casos para resolver, usando o mesmo idioma.

A loira cativante quer saber qual é a remuneração. Feitas as contas, não dá mais de 600 euros.

Obrigado, Mister White e Mister Blue, mas com esse valor não consigo alimentar os meus filhos. Agradeço o facto de se terem lembrado de mim, desejo-vos uma óptima semana e bom trabalho.

Ao sair, repara no hotel colorido e alegre. Da pequena Babel saem turistas que falam dezenas de línguas diferentes.

Não verá o homem que há muito se levantou do pedaço de cartão onde dormiu, tentando sacudir o frio do corpo e obter algumas moedas para um hipotético pequeno-almoço.

À espera, vários anúncios por responder.

 

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