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O meu bisavô matou um homem

O Alentejo era uma terra rija e com poucas leis, em meados do século passado. O meu bisavô não era menos teso do que as paragens onde fez a sua vida.

Naqueles tempos duros e inóspitos, cada um cobria as distâncias do dia-a-dia como podia.

Este homem forte que vivia do trabalho costumava andar montado no seu cavalo, para as viagens maiores. Gostava de ir aos bailes e beber quantidades míticas de copos.

Depois subia à montada e voltava para casa. Era precisamente isso que se passava nesse dia. Às tantas viu um homem que conhecia.

O sujeito chegou-se ao pé dele com grandes festas e muita mansidão. Só que o nosso herói conhecia bem aquele tipo. Sabia que ele lhe queria mal e não era por amizade e candura que vinha ter com ele.

O inimigo declarado e mal disfarçado deu ao meu bisavô um abraço. E o meu antepassado retribuiu. Com muita força. Tanta que o malfeitor foi para casa e, pouco tempo depois, entregou a alma ao Criador. Os seus dias apagaram-se para sempre após aquele abraço fatal.

Estes saudáveis e muito úteis hábitos de defesa e ataque propagaram-se para as gerações seguintes. O meu tio era um dos mais malinos (terríveis) que alguma vez houve.

Dizem que usava uma pistola, que ainda hoje a tem e que uma vez teve que dar dois tiros com ela numa trave, para dominar a situação e se safar de mais um sarilho.

O mais trivial era ele – que, sozinho, dava cabo de uns quantos – ver-se numa desvantagem numérica demasiado pronunciada, partir uma garrafa no balcão e servir-se da metade com que ficava na mão para enfrentar os adversários.

O meu tio da aldeia, e o irmão, não eram menos destemidos e loucos. Aquela malta enfrentava-se por tudo e por nada, só porque sim, apenas porque eram de sítios diferentes.

Os dois rapazes foram para uma cena de pancadaria combinada com os de um grupo rival. O irmão mais velho reprovava tais actividades bélicas.

Despiu-os e fechou-os dentro de casa, escondendo-lhes as roupas e deixando-os em ceroulas (roupa interior que cobre as duas pernas separadamente, da cintura aos pés – uma espécie de meias-calças para o frio, vestidas por baixo das calças).

Os jovens aguerridos conseguiram fugir de casa, vestindo apenas as ceroulas, e voltaram para a zaragata.

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