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O Cassius Clay da favela

Tagarela desejando prestar conforto espiritual, debito as notícias da semana ao visitar U., sábio cego e octogenário internado involuntariamente desde que alguém achou que não devia viver na rua.

Impeachment brasileiro para aqui, destituição americana para ali, lembra-se de uma história. Trabalhava numa grande multinacional de alimentação e mandaram-no ir entregar um documento a um cliente importante que tinha a sua sede no cimo de um morro no coração da favela.

Estava cheio de calor e a morrer de sede. Com o seu fato quente e apertado, entraria na primeira birosca (tasca) que encontrasse e beberia um guaraná gelado.

Assim fez. Mas essa primeira birosca dessa primeira esquina estava repleta de homens negros de tronco nu e desfavorável catadura. Para fazer o pedido tinha que passar por um deles…

Um gigante de cem quilos. Cem quilos de músculo. Trabalhava no porto e carregava diariamente sacos de 60 quilos, de cimento ou café, de manhã à noite. Todos os dias.

Era um monstro de pura musculatura, e o próprio Cassius Clay se levasse um murro dele não ia mais longe.

Dirige-se a U.: Você vai beber um copo de cerveja comigo.

U. não quis submeter-se àquela massa imóvel. Se o outro lhe tocasse voaria como uma pena de pássaro.

Deu a volta por trás do homem de ferro, ignorou-o e pediu dois copos de cachaça da boa. Foram-lhe servidos.

U. responde finalmente ao parceiro acidental: Amigo. Eu não sou bebedor de cerveja. Mas convido-o a beber um copo desta boa cachaça comigo.

A sólida mancha negra ao seu lado ficou sem resposta e sem reacção. Não tocou no copo. U. bebeu o seu e saiu.

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