Para sua grande felicidade, a Amélinha, a “Gááta!!” esteve cinco semanas sem ir ao veterinário. Já eu, não posso dizer o mesmo.
Quando os congestionamentos intestinais do Chiquinho por fim cessaram, levei-a também, na minha deslocação semanal à clínica para o Jeremias e a Matilde fazerem o seu tratamento anti-insuficiência renal.
As cinco semanas tinham sido, claramente, excessivas.
A minha esguia e doce pantera negra gosta de subir por mim acima, saltar para os meus ombros e atirar-se a mim.
Fica sempre indecisa entre trepar dos meus tornozelos até às omoplatas, pelas calças de ganga acima, pular directamente para as minhas costas e afiar as unhinhas na minha T-Shirt ou apenas jogar-se na minha direcção, com gritinhos carinhosos de prazer, de patinhas e unhas em riste, olhar brilhante e determinado, fixando-se então no meu peito e ao meu colo. Algo que ambos adoramos supremamente.
Duas semanas, ou mesmo uma, bastam para que as pequeninas garras da minha venerada cria felina se tornem lâminas Gilette acabadas de comprar, que poderiam facilmente aparar a minha barba de dois dias. Num mês, transformam-se naquelas espadas fininhas e aguçadas usadas nos combates entre espadachins.
Nesses dias, optei por andar despido (a minha “Gááta!!” costuma ter a amável sensibilidade de recolher as suas pequenas armas de Wolverine quando não tenho roupa) ou então ataviado com várias peças de Inverno, o que, com uma temperatura de 30 graus, não será o mais prático, ainda que me proteja.
Quando chegámos à clínica era mais que tempo de decepar as pontas das suas unhas, para que ambos pudéssemos voltar a rebolar e adorarmo-nos um ao outro em plena segurança, sem que surgissem novos riscos vermelhos de um lado ao outro da minha barriga.
Enquanto a Doutora fazia isso mesmo, este ser meigo e apaixonado assanhava-se como um Gremlin, sem se mexer, e ronronava simultaneamente, um mecanismo não só de expressão de luxúria mas também de protecção e auto-cura usado por todos os felinos do reino animal.
Durante o caminho de regresso a casa, ia lançando os seus gritinhos de carinho e lamentação para mim, o culpado de tal crueldade. Em casa, no resto do dia, foi assim.
A minha alminha de quatro patas, o meu coraçãozinho felpudo, exigia miminhos, carinho, mais festinhas e amor, em compensação da maldade que lhe fizera. “Mnhaau, mnheeu, imm, imm, dá-me mimos, dono querido, adorado e mau!”.
Só ficámos a ganhar, no fundo. Nesse dia, passámos ainda mais tempo colados um ao outro, aos beijinhos, a esfregarmos a cabeça, a cara, os braços e as pernas um no outro. Afinal, ela agora já não me podia magoar.