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Um homem com uma arma na minha cara

Era uma grande personagem. O Pratas foi talvez o primeiro alcoólico que eu conheci.

Era meu amigo, gostava de mim, preocupava-se comigo e adorava beber imperiais comigo, que, na altura, andava perto dos 16 anos e nem tinha bem a noção do que era um alcoólico.

Conhecemo-nos na Voz do Barreiro, onde ele era colaborador desportivo. Foi o primeiro jornal onde trabalhei, e era coordenado pelo Dr. Baião, “licenciado em ciências sociais”.

Não me lembro de ter queixas pessoais do Dr. Baião, mas uma parte dos seus subordinados não podiam vê-lo à frente. Alguns tinham motivos bem concretos para isso.

Não sei se era ou não o caso do Pratas, mas o que é facto é que não tinha qualquer apreço pelo chão que o chefe pisava. Incompatibilizaram-se, o Pratas foi-se embora e passou a odiá-lo.

Encontrávamo-nos com frequência para beber um copo, e o assunto de conversa dele era sempre aquele.

O Pratas era um tipo muito simpático e afectuoso, baixinho, magro, frágil. Bastante afectado pelos vapores de Baco, mas um bom coração. Havia sempre lugar para mais uma bebida.

Tinha uma voz e pronúncia muito próprias, com um toque meio alentejano.

Quando falava do Dr. Baião, a sua Nemésis, o seu rosto afável e a sua expressão típica contraíam-se todos, junto com os olhos, a ficar pequeninos com a cerveja, e já não largava o tema.

Quando saí da Voz do Barreiro, o Pratas, que achava que eu era um futuro grande jornalista, levou-me logo para o Jornal do Barreiro, já que não admitia que se desperdiçasse o meu alegado talento.

Uma dessas noites foi encontrar-nos n’O Farol, que servia permanentemente imperiais brancas, pretas e mistas, coisa algo inovadora naquela idade.

As horas seguintes acompanharam-nos noutros cafés, com outras bebidas à frente.

Acabámos por ir parar, eu, ele, outra personagem aparentemente mais duvidosa e um quarto homem, que parecia mais atinado, a casa deste último. No famigerado e perigoso Bairro das Palmeiras, onde quem gostava de estar inteiro e não apreciava a comida do hospital era aconselhado a nunca entrar. Também neste caso, nunca tive grandes provas de que o proveito correspondesse à fama.

Na casa do tal homem, ainda havia mais bebida, daquela que facilmente podia servir como desinfectante de sanitas e ele nos ofereceu em canecas, das grandes, em vez de copos pequeninos.

Por essa altura, a madrugada já ia alta e não faltava muito para que o sol nascesse. Às tantas, o homem arrependeu-se do convite, depois de começarem, ele e o outro que parecia ter aspecto menos fiável, a trocar ideias animadamente, sem que chegassem bem a discutir.

O anfitrião considerou necessário dizer que era polícia, talvez para melhor dominar a situação. A seguir, achou que era apropriado ir buscar a arma, um revólver, e exibi-lo na nossa cara.

Não era grande e talvez nem estivesse carregado, e o diálogo continuou em tom suficientemente pacífico até nos irmos embora, já de manhã.

O rapaz a quem a apresentação do objecto se destinava ficou todo ofendido com tal atitude e não se cansou de repeti-lo, antes e depois de sairmos. Mas tudo acabou na paz do senhor.

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