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A notícia que não aconteceu

A notícia saiu do bloco de notas do jornalista e foi alojar-se na máquina de escrever, onde ficou durante algum tempo a ganhar corpo e a aperfeiçoar-se.

Dali seguiu para a gráfica, onde foi juntar-se às fotos, aos títulos e às outras notícias.

Foi impressa horas depois e distribuída, em milhares de cópias, por homens e mulheres que já tinham começado a ouvir o acontecimento na rádio mas queriam saber o que se tinha passado, com todos os pormenores.

A notícia andou nesta vida durante muitas décadas, em que toda a gente pegava no papel para perceber a realidade que se vivia na sua vila, na cidade, no país e no mundo.

Chegaram os computadores e a Internet e tornaram tudo muito mais fácil, rápido e eficaz.

As pessoas compravam jornais mais bonitos e coloridos, que continuavam a ajudá-las a ver mais longe e a pensar melhor sobre o que diziam os políticos, os economistas, os homens e as mulheres da rua, os que faziam vida nos palcos, os que davam cartas nos estádios.

Foram vindo as redes sociais… Com o tempo, passou a aterrar informação de todos os lados, fornecida por toda a gente, muitas vezes sem grande crédito ou fundamentação.

As pessoas começaram a deixar de ter paciência para gastar dinheiro e andar com desconfortáveis pedaços de papel que já não lhes pareciam interessantes ou importantes.

Preferiam ficar a saber das últimas na televisão, no computador, no telemóvel.

Toda a gente tinha uma ideia, uma informação falsa ou verdadeira, uma frase ou um argumento para partilhar. Podia fazer isso em alguns segundos, e ver também o que todos os outros andavam a dizer, fosse verdadeiro ou não.

Cada um podia ser o seu próprio órgão de informação, criar a sua audiência individual e juntar-lhe mais algumas dezenas ou centenas de pessoas.

A verdade credível, fundamentada e rigorosa, construída pela investigação e pelo cruzamento de várias versões contraditórias, deixou de ter importância.

A notícia, aquela coisa que nos dava alegria ou tristeza pela manhã e nos oferecia olhos que viam mais, foi ficando velhinha, desprezada, maltratada.

A notícia que nos fazia vibrar, que nos preocupava ou irritava, pela noite ou pela madrugada, foi-se diluindo e desaparecendo no oceano imenso da informação sem garantias, da desinformação, da propaganda e das opiniões gratuitas e sem alicerces.

Ficámos mais ricos ou mais pobres? Vou procurar e ler um bom artigo de jornal em papel para ver se percebo.

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