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Boa noite, e boa sorte

Barba de dois ou três dias, pele tostada e avermelhada, ar irritado e aflito.

Épá, oiçam lá, eu preciso de um sítio para ficar esta noite. Esta noite. F. Não, não quero ir para o Espaço Aberto ao Diálogo da Comunidade Vida e Paz em Chelas, se só abre às dez da manhã. Preciso de um quarto em Lisboa, por 250 euros ou menos, para esta noite!

F., quem é que aguenta seis dias sem dormir?! Para esta noite, para esta noite. Épá, nem que vocês me vejam aí uns quartos no OLX e me dêm três ou quatro números de telefone, já ajuda”.

O voluntário mais rápido e despachado, e com o smartphone mais funcional, faz isso mesmo, durante uns 15 minutos, procurando, vendo as condições de cada, eliminando os mais caros.

Ao fim de um quarto de hora, o homem de saco de viagem ligeiro e barba cerrada está orientado, a caminho de um possível quarto em Campo de Ourique. “Boa noite, e boa sorte”.

A conversa decorre a dois metros do profeta da calçada, homem sábio, cego, octogenário e de aspecto irrepreensível, que aqui vive no chão há anos.

“Eu estou feliz. Eu me considero a pessoa mais feliz do mundo. Mas estou preocupado com o que está a acontecer ao planeta. Esse novo presidente dos Estados Unidos…

Ele está mesmo a construir um muro entre o México e os Estados Unidos? E vai mesmo pagá-lo aumentando os impostos dos bens importados do México?

Então… Certamente que os americanos importam uma grande quantidade de produtos mexicanos, e os mexicanos também compram muitos artigos americanos, especialmente de tecnologia, em vários sectores diferentes.

Portanto, os mexicanos também vão aumentar os impostos sobre os produtos americanos. Não para construir um muro, mas para fazer não sei o quê.

E se vão ser aumentados os impostos sobre os produtos mexicanos, é claro que os americanos vão passar a comprar a outros países. Ao Brasil, à Venezuela…

E por isso, a América nunca vai receber nenhum dinheiro desses impostos para construir o muro. Eu sinceramente não percebo. Já houve dois presidentes americanos que foram assassinados, o Lincoln e o Kennedy, que eu admirava muito.

E ele também estava muito protegido, tal como o Trump. Se o Trump continuar a prejudicar os próprios interesses americanos como está a fazer, não sei se não lhe irá acontecer o mesmo.

Acho que os líderes das economias mais poderosas do mundo vão ter que se sentar com o Trump e explicar-lhe que ele não pode fazer estas coisas, não pode prejudicar a economia do mundo desta maneira.

Diga-me uma coisa, como estão as coisas aqui em Portugal? Melhores, depois da austeridade do governo de Passos Coelho? A economia está a crescer? Mais ou menos? A dívida já desceu?

Sabe, quando vim para Portugal, há uns anos, o El País publicou uma infografia muito boa que referia todos os países do mundo. Nessa altura eram 187.

Essa infografia mostrava o crescimento do Produto Interno Bruto de cada um dos países. O Haiti vinha em último lugar. Foi pouco depois do grande terramoto que destruiu tudo. Subindo na tabela, vinha a Itália… E, a seguir, Portugal.

O El País deve ter essas infografias, que faz de dois em dois anos, na Internet. É fácil. Basta ir ver se a posição de Portugal se alterou, desde a altura da austeridade e desde o governo anterior, e se o crescimento do Produto Interno Bruto já aumentou.

Se tiver aumentado, a dívida também terá descido, e a economia já terá melhorado!”.

Assim, a noite termina com uma aula de economia na rua.

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