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O meu encontro com a religião

 

Andava pela cidade, ao fim da tarde, e não queria entrar num café, esplanada ou restaurante. Acabei por penetrar numa igreja, no centro da animação turística.

Sentei-me tranquilamente, ao fundo, numa cadeira mais ou menos confortável, virando avidamente as páginas de Bouvard e Pécuchet, de Gustave Flaubert (1821-1880), que me acompanhava na altura.

Comecei por ouvir, em palavras gravadas, femininas e de origem idosa, saindo dos microfones espalhados pelo espaço, diversas Avé-Marias, sucessivos Padre-Nossos e numerosas parábolas bíblicas, entoadas por aquela voz tão natural como as vélinhas eléctricas, que se acendem graças a Thomas Edison sempre que alguém coloca uma moedinha na caixa.

Depois desta sessão religiosa emitida em contínuo durante bastante tempo, surge uma voz masculina. Aparece um sacerdote de carne e osso, ao vivo e a cores, lá longe, bem ao fundo. Apenas se distingue a mancha branca da sotaina junto ao altar.

Momentos antes, por intervenção dos tais vocábulos enigmáticos que saem das paredes, já ouvíramos que Deus criou a Luz, viu que era boa e separou-a das Trevas. E que depois de toda a Criação, ao Sétimo Dia, descansou.

O homem que discursa para as dezenas de fiéis presentes vem, de pronto, esclarecer que nada disto deve ser demasiado levado à letra, alguns milénios depois.

Fala sobre a separação da Luz e das Trevas, explicando que as Trevas não são nada, mas apenas a ausência de Luz. Interessante e discutível. A escuridão, o vácuo, a obscuridade, o vazio, não serão nada ou não conterão nada…

Adianta que, da mesma forma, o Inferno, com todos os seus castigos e tormentos, também não existe e não é nada. É apenas o contrário de Deus e do Bem.

Volta ao tema do Sétimo Dia. Esclarece que “Os Judeus” consagraram o Sétimo Dia, o Domingo, ao repouso, por ser essa a altura em que o Senhor descansou. Assinalando, assim, o final da semana, antes do início da seguinte.

Para ele, esta é outra interpretação, “dos Judeus”, que não deve ser seguida literalmente. Avança que, antes de Cristo, já os povos da Antiguidade tinham a semana dividida em sete dias.

Acrescenta que a semana de sete dias existe, simplesmente, como uma forma de repartir o mês lunar “de 28 dias” em quatro partes. Podia ter seis dias, ou cinco, mas não dava conta certa. Portanto, a interpretação “dos Judeus”, para ele, não está correcta.

Tal clarificação do alegado erro judaico leva a concluir que, desde sempre e ainda hoje, as religiões fazem mais por dividir do que por unir. Aí está uma coisa (separar-nos) que não caracteriza a ciência. Se ela nos leva para um mundo melhor, isso já é outra história…

Num hipotético conflito entre a religião e a ciência, poder-se-á sempre dizer que não está provada a existência de Deus e dos fenómenos a ele associados.

A Ciência poderá argumentar, em defesa da sua credibilidade, que apenas acredita no que pode ser provado, em condições controladas e verificáveis, através do método experimental, isto é, da experimentação.

Outros poderão contrapôr que colocar toda a nossa certeza nesse método experimental será, também, uma forma de fé.

Na minha vida adulta nunca me virei para a fé religiosa institucional, embora para a espiritualidade “independente” sim (sem resultados satisfatórios). Com todos os seus defeitos, erros, falhas e enganos, a Ciência terá sempre para mim muito mais valor e utilidade que a religião.

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