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Temos que estar dispostos a tudo

Agarro sofregamente na minha torrada vegan sem manteiga e no meu chá, vou para me sentar. A minha mãe faz-me discretamente sinal para não escolher a mesa mais baixa e confortável, mas sim a alta e pouco funcional.

Olho para ela surpreendido, as suas pestanas apontam para o meu lado direito e percebo. Observo uma senhora idosa, com aspecto frágil e adoentado, para quem a minha mãe reservou mentalmente a mesa mais confortável, e, naturalmente, dirijo-me para a outra.

Acabamos por perceber que a vulnerável senhora está acompanhada… Se assim se pode dizer. O que me prende o olhar, depois de reparar nela, é o seu ar tão… Abandonado. Pelo que vemos, estão consigo a filha e o neto, mas é mais ou menos como se não estivessem.

Não vemos ninguém preocupado em apoiá-la, conduzi-la, dar-lhe o braço, um carinho. Parece entregue a si própria. Comentário da minha mãe: “Muitas vezes estes filhos ficam com os pais só para se apoderarem dos bens deles, e das reformas”. Olhamos um para o outro, preocupados com a insensibilidade e agressividade deste mundo.

As nossas mentes divagam entre este e o outro lado do Atlântico, depois de um de nós, não sei qual, ter pronunciado essas palavras: Agressividade, egoísmo, racismo, ódio, medo. Novo comentário, desta mulher sábia que me deu a Vida e me fez quem sou. “Já pensaste… Para a próxima geração, a dos filhos das pessoas da tua idade, como será… Para eles, o ódio, o racismo, o medo, a agressividade, a insensibilidade, serão coisas naturais. Será normal e natural irem na rua e  insultarem ou atacarem uma pessoa, só porque é diferente, porque a pele não é igual”.

Esta filósofa e dona de casa que me carregou dentro dela é, sempre foi, uma optimista nata. E também alguém muito atento àquilo que se passa no Mundo. Nasceu quatro anos antes do fim da Segunda Guerra Mundial.

Foi para a Alemanha quando o Holocausto Judaico tinha acontecido havia apenas 22 anos. Ouviu as histórias. Conheceu as testemunhas. Durante a sua vida, venerou Kennedy, Martin Luther King, e depois, na actualidade, Obama.

Hoje, sente que o legado que nos deram todos os que lutaram e morreram pela liberdade, pela democracia, pelos direitos humanos, pela igualdade entre raças, sexos, crenças e condições está em risco absoluto de perder-se. Que temos que ser nós a defendê-lo. Com unhas e dentes, e o que for preciso. E dispostos a tudo.

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