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Um dia pediu-me que lhe cortasse as unhas

Era conhecida como aquela que fazia os fechos de todas as revistas, carregada com os seus materiais, fotólitos e publicidades, para trás e para a frente. O que significava que, aos 70 e tal anos, fazia directas quase todas as noites, porque havia fechos praticamente todos os dias da semana.

Nos últimos anos, andava quase sempre internada, passando a vida em hospitais, com todos os tipos de problemas de saúde graves. Sempre que me via, ficava feliz e dava um gritinho de alegria.

Queria saber de tudo da minha vida profissional e pessoal, dos meus gatitos, da minha casa. E da empresa, onde já não trabalhava havia anos. Falávamos dos directores, dos chefes, dos administradores, dos colegas. Elogiávamos uns, criticávamos outros. Exigia saber de todas as novidades e mais alguma.

Um dia, pediu-me que lhe cortasse as unhas. Andava sempre com um corta-unhas no bolso, mas aquilo assustou-me um pouco. Nunca tinha realizado aquela operação noutra pessoa. Só na minha Gata, a Amélinha, e não correra muito bem. Desenvencilhei-me o melhor que pude, e a minha maior preocupação, tal como com a minha Gatinha, era não magoá-la. Mas afinal correu tudo bem.

Recordavam-se os velhos tempos em que íamos almoçar os dois, e em que me contava toda a sua vida. Tinha sido casada e muito bem tratada, tinha viajado, tinha tido trabalhos bem pagos.

Já estava naquela empresa havia muitos anos, mas quando chegou a hora de a mandarem embora foi parar à mesma lista que os outros.

Da mesma forma, tinha vários familiares, pessoas que ajudou a educar e a criar com toda a dedicação, mas que, quando foi para o lar, raramente ou quase nunca apareciam, segundo relatava.

Nos últimos seis meses, demasiado embrenhado no dia-a-dia de um desempregado bastante ocupado e em busca de trabalho, também não voltei a visitá-la.

Ontem, recebi a mesma notícia duas vezes, de manhã e ao fim do dia. A loirinha baixinha, simpática, enérgica, divertida e conversadora já não está cá. Até sempre, amiguinha. E desculpa.

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