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“Não tenho T-Shirt, não tenho T-shirt”

Não tenho T-shirt, não tenho T-shirt”, repete, falando do chão para cima, deitado, de tronco nu. “Vocês não têm roupas?”. “Não, não temos nada, já demos tudo!”.

No frio da noite, que aquele homem vai passar até ao fim em tronco nu, esta ideia faz-lhe uma comichão psicológica crescente e dolorosa. Não há mais roupa, não há mais nada. E ele está ali de torso desnudado.

Não aguenta mais. Afinal, aquela camisa que ele próprio traz vestida far-lhe-á alguma falta? Nenhuma, absolutamente. É só mais uma entre diversas. Enquanto que aquele ser humano deitado à sua frente nem uma T-Shirt possui.

Afasta-se um pouco, procura um beco escuro ali perto. Despe o blusão de meia estação. Despe a camisa. Dobra-a cuidadosamente. Volta a vestir o casaco. Coloca a camisa delicadamente dobrada debaixo do braço. Volta à esquina onde o homem continua deitado, a cem metros dali.

Olhe, quer esta camisa? Não sei se é o seu tamanho…”. “Sim, sim! Sim, sim! Obrigado! Obrigado!”. No resto da noite o corpo estará ligeiramente mais fresco, a alma mais arejada. O calor que sentirá interiormente não se compara a nada que já tivesse conhecido.

No fundo, aquele gesto instintivo é uma continuação de outro. De uma atitude que já testemunhara, por parte de outro elemento daquele grupo de amigos dos que nada têm.

Anos atrás, essa jovem sentira o mesmo numa situação semelhante. Vira uma mulher sem cachecol, sem agasalhos, no gelo implacável da noite. Também nesse dia já o grupo gastara todos os agasalhos, roupas e cobertores quando chegou àquele local.

Mas a jovem nem hesitou. Retirou rápida e suavemente o cachecol que lhe aquecia e protegia o pescoço frágil, ofereceu-o imediatamente à mulher que lutava na escuridão, em busca de calor e procurando sobreviver.

Um mundo em que nos preocupamos uns com os outros, em que somos sensíveis à dor, ao frio, à fome de quem não conhecemos… Em que nos importamos… Em que queremos fazer alguma coisa… É esse o mundo em que precisamos de viver.

Um planeta onde não queremos saber de ninguém a não ser de nós próprios, onde somos indiferentes ao sofrimento alheio, onde reina o individualismo extremo, o egoísmo cego, o egocentrismo exacerbado – essa é uma realidade onde não faz sentido existirmos.

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