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O barbeiro alcoólico

Passo por ele às quatro da manhã, às seis da madrugada, de tarde, de noite. “Bom dia! Boa tarde! Boa noite!”. Atravesso a calçada, subo a correr, ao início do dia, e lá estão os escombros esmigalhados da barbearia, onde se acolhe durante parte da noite.

Mistério supremo, está sempre inundada, e as roupas do homem espalhadas pelo passeio, à frente, em cima de um caixote, encostadas a uma parede, sobre uma qualquer estrutura improvável.

Em tempos, quando talvez andasse melhor, já teve um gatito, uma espécie de Jeremias em plena infância, um felino lindo e simpático, que esticava as patinhas sobre as pedras quando se estendia ao sol. Agora o pequeno está com uma amiga.

Já não vai fazer os grandes passeios que fazia, exactamente aos mesmos lugares onde o dono se deslocava, mas em separado. “Ah, ele está bem, ele está bem”, diz o homem.

Às vezes encontro o barbeiro em melhores condições de consciência, e os cumprimentos e conversas são mais alargados. E já vi este meu vizinho da rua de cima na festa de Natal da Comunidade Vida e Paz, onde o diálogo foi ligeiramente mais profundo.

Cruzo-me com ele de vez em quando, perdido no meio de alguma rua ocasional, adormecido a um canto, anestesiado pelos vapores da noite. Penso que o conheci numa época razoável da vida. Ainda chegou a cortar-me o cabelo (sem água nem electricidade), e, tendo em conta as condições em que o fez, não ficou mal.

O amigo dele, enquanto o criticava sem piedade, dizia que ele era um bom barbeiro, que tinha mão. O grande problema era a bebida. Também me parece ter ouvido que chegava a roupa ao pêlo à mulher, motivo pelo qual estará divorciado. E que tinha um filho.

Além de ir buscar comida e apoio emocional às carrinhas das instituições, já dei com ele a sair de um prédio junto à estação, com uma senhora, que poderia eventualmente ser amiga ou familiar. Bem vestido e bem disposto. Era bom que estivesse assim mais vezes. E que não lhe dê na veneta bater nalguma mulher, ou em quem quer que seja.

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