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“Só preciso do vosso apoio emocional”

Está sentada na paragem do autocarro, quase como se estivesse num café. Só que está no meio da rua. Vestida e mal tapada com tecidos cor-de-rosa e de tons suaves, recebe-nos com um sorriso doce e simpático.

Com os olhos bondosos enquadrados pelo cabelo muito curto e ruivo, R, de 50 e muitos anos, mostra-nos como a artrite lhe deforma significativamente os ossos, tanto que nem consegue escrever o primeiro e o último nome, a não ser pegando na caneta como se fosse uma colher e arredondando dolorosamente as letras.

Com a sua minúscula pensão de viuvez, vivia num quartinho. Mas a proprietária foi trabalhar para o estrangeiro, e teve que mandar embora todos os que ali residiam. Agora, esse pequeno valor que R recebe não chega para a comida e os medicamentos.

De dia, avança algumas centenas de metros, para uma zona mais central, e pede dinheiro a quem passa. À noite fica aqui sentada, ao frio, e não consegue dormir. Nem chega a fechar os olhos. Tem medo que lhe façam mal.

Conversamos enquanto um prolongado desfile de motoqueiros faz um barulho infernal com as suas máquinas, à meia noite, no centro da cidade. Ruído e confusão são coisas que lhe são familiares mas não lhe agradam de todo, nem a deixam sentir-se segura.

Às vezes, os bêbados vêm bater com força no vidro da paragem. Assustam-me. Nunca adormeço”.

Alguns quarteirões mais acima, também já é quase hora de descansar. H está a preparar o seu modesto e frio quadrado de chão para a noite. Coloca uma superfície ligeiramente macia por baixo, uma pequena manta por cima.

Privado da visão, vai arrumando as garrafas de água, as luvas, o saco. Desloca-se para baixo e para cima nas escadas, tacteia, equilibra-se. É orgulhoso e completamente autónomo.

Mesmo assim, do nosso lado há de vez em quando um braço ou uma mão que não resiste a esticar-se uns centímetros para poder ampará-lo, se necessário.

Há algum tempo, caiu destas mesmas escadas, e não ficou nada bem. Já consegue dormir algum tempo sobre o lado esquerdo. É difícil descansar sempre em cima do mesmo braço, ainda mais sobre a rua.

Ainda não está a cem por cento. Não consegue respirar com muita força ou muito depressa, mas está a melhorar. “Precisa de alguma coisa?”. “Não, não. Só preciso do vosso apoio emocional, da vossa companhia. E a comida também dá jeito!”.

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