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“Ele não percebia como é que eu sabia que me enganava”

O porteiro do edifício de luxo, homem rechonchudo, alto e grisalho, mete conversa com a loira magra, que chegou de carro há momentos. Ela comenta que, onde há agora lugares de estacionamento pagos, antes era a estrada, e ainda se nota, pelo alcatrão. Ele ataca a existência de parquímetros, considera-os uma aberração legal. “Nós pagamos um Imposto Único Automóvel. Se é um imposto único, é um imposto único… Porque pagamos mais do que isso?”.

Continua a conversar animadamente, criticando a existência de estrangeiros em Portugal. E comenta que viveu vários anos no Brasil, na Venezuela e em Timor.

A loira queixa-se de que, quando o pai estava doente, transformado num vegetal imóvel e sem reacção, cobraram-lhe várias vezes o serviço de transporte em ambulância. E afirma que, quando teve que ser operada ao cotovelo e ficou em casa durante uma porção de meses, sem rendimentos e com dois filhos, a Segurança Social não lhe pagou um único cêntimo.

Chega uma segunda loira, bem volumosa. O porteiro em part-time, reformado, conversa muito alegremente com as duas. Afirma que ele e a sua mulher vivem há 13 anos em casas diferentes, e que está muito bem assim.

As loiras dizem cobras e lagartos dos seus antigos maridos. A magra: “A melhor coisa que fiz foi tirar a carta. Ele não percebia como é que eu sabia que ele estava a enganar-me… Pois, eu passava de carro, para baixo e para cima, e via que ele não estava na oficina”.

A loira que ocupa mais espaço: “Ele trabalhava fora, e era assim que me traía. Quando estava fora. Ainda tentou metê-la lá em casa, eu é que não fui nisso! Agora olho para tudo nos homens. Até a maneira como pensam! Podia estar com um, mas não quis. Aquilo via-se logo… Nem educação tinha”.

A magra: “Ele não me quis dar um tostão. Dizia que a minha filha já tinha 18 anos, já tinha namorado, já fazia tudo… Também já podia ir trabalhar! Isto é coisa que se diga a uma filha?!”.

O porteiro do edifício de luxo fala-lhes, muito insistentemente, do Chico Manivela, do Manuel Fisgas e de um homem que roubou um bigode… A polícia pensou que era ele, e veio atrás dele. Provavelmente por cortesia, ou porque o porteiro insistiu em fazer-lhes companhia durante várias horas, as loiras riem-se de vez em quando. A magra comenta: “E pensar que tudo isto começou por causa dos lugares de estacionamento!

Uma hora e meia depois, são rapidamente distribuídas as senhas do dia para a Segurança Social. Uma das loiras fica com o número 35.

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