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A rapariga simpática

Irritado e em brasa, era esse o sentimento exacto. Tinham-me cobrado para cortar as unhas dos meus companheiros felinos, e ainda por cima não tinha sido pouco. Queixava-me da situação, indignado, à mesa do almoço. Degustava a refeição intermédia do dia muitas vezes com aqueles colegas, embora não trabalhasse com eles.

 

A meio das minhas queixas, oiço a voz de uma rapariga, com quem, na altura, ainda não tinha almoçado muitas vezes. “Ah, mas eu posso cortar as unhas dos teus gatos!”. Hum? Uma jovem que nem me conhecia bem, não sabia verdadeiramente quem eu era, oferece-se para vir a esta ponta da cidade, percorrer não sei quantos quilómetros e tratar da manicure felina da casa?

 

Depois percebi que esta era uma estudante altruísta, uma espécie de “Padroeira dos Animais”, ao vivo e a cores. É uma pessoa que, se vai na rua e vê um cão perdido, faz o que for preciso e emprega o tempo necessário até encontrar o dono do patudo. Até anda com um cinto, que serve de coleira e trela improvisada, para esses casos.

 

O avô tem uma quinta em zona de caçadores (que, segundo conta, têm o hábito de matar gatos). As fêmeas da região vão dar à luz à quinta, onde se sentem protegidas e defendidas. A neta do proprietário dedica-se, depois, a encontrar donos responsáveis e carinhosos para os bebés nascidos.

 

Combinamos, e esta amiga dos seres vivos vem a minha casa. Eu achava que, a alguns dos pequenotes, íamos conseguir suprimir as pequenas garras. Mas à Matide, que não suporta que lhe façam o que quer que seja, nem pensar. E à Amélia nunca na vida: Quando ouve entrar alguém que não seja eu, vai para cima do armário da cozinha e lá fica.

 

Começamos pelo Chiquinho, o ser que, com o seu amor, me  fez apaixonar pela espécie felina, há meia dúzia de anos. Ele não gosta lá muito, protesta um bocadinho, mas lá se consegue. Segue-se o Jeremias, o meu gato-cão, que adora estar 24 horas por dia ao meu lado, e em cima de mim, até nas situações mais inusitadas e embaraçosas. Não fica especialmente feliz com a ideia, mas permite.

 

Ganho coragem e passamos à adorável, doce e dona de si Matilde. Sem tirá-la de onde está, pata por pata, dedo por dedo, e com pausas de persuasão, completa-se a tarefa. A Amélita, mini-péste que decidiu que o seu coração era meu quando tinha dois meses (há quase quatro anos), continua em cima do armário.

 

Ponho um pouco de ração no prato, desce, come, desaparece, reaparece. Pego-lhe ao colo (o local onde ela não se importaria de passar todos os dias e noites), enfia a cabecinha dentro do meu sovaco, como adora fazer. A rapariga simpática, nobre e altruísta corta uma unha de uma pata, depois outra, e outra. E outra pata, e outra unha, e outra e mais outra. A minha Amélinha já pode continuar a trepar por mim acima, descansar e passear nos meus ombros, fazer-me ainda mais companhia, ali, tão perto, em mim.

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