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Quando a Matilde se apaixonou por mim

Estava deitada a um canto do seu espaço fechado e protegido, em estado muito mais animado e desperto do que no dia anterior. Ficou completamente feliz por me ver. Começou logo a falar comigo, a fazer-me as suas queixas, a pedir os carinhos que estavam em falta.

 

Era o segundo dia após a operação aos dois tumores mamários, um maligno e um benigno. Toda a semana foi assim. Saía do trabalho, fosse a que horas fosse, e ia vê-la, ficava um bom bocadinho a pôr a conversa em dia. E ela, que estava a ser muito bem acompanhada e mimada na clínica, ficava tão contente por me ver e poder falar comigo, finalmente, outra vez.

 

Até que enfim a semana passou, chegou a hora de irmos para casa. Até àquele dia, a Matilde sempre me estranhara um pouco. Gostava muito de mim e era bastante terna comigo, mas, ao mesmo tempo, era assustadiça em relação a mim e fugia frequentemente. Eu não era o humano original e inicial desta linda e doce gata cinzenta; Além disso, eu era a pessoa do Chiquinho, que passava o tempo a persegui-la e a irritá-la.

 

Naquela noite, dormimos separados dos outros três gatos, porque eles podiam estranhá-la e atacá-la, por ter os cheiros inesperados e não habituais da clínica. E aconteceu o que era impossível até àquele momento. A Matilde dormiu a noite toda em cima do meu peito, a miar meiga e docemente para mim, a ronronar incessantemente para aquele que era agora, definitiva e indubitavelmente, o seu humano.

 

As nossas relações mudaram desde esse dia. Passou a ser muito mais fácil conquistá-la e encontrar uma expressão clara e inequívoca do seu amor por mim, sem esforço da minha parte. Agora a Matilde tem uma consciência maior e mais evidente de que eu estou aqui para protegê-la de tudo e de todos, incluindo do meu Chiquinho, da Amélinha, do Jeremias… Sem excepções.

 

Fica feliz quando me vê, e mostra-o claramente. Está sempre a pedir-me festinhas e miminhos. Foi o capítulo decisivo e esclarecedor do nosso amor humano-felino. Hoje em dia comovo-me de cinco em cinco minutos com a lealdade e o carinho que a minha Matilde me dedica. Os gatos são leais, fiéis, dedicados, ternos, doces e carinhosos. Os meus são. Os que eu conheço são. E não conheço assim tão poucos.

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